Os debates sobre a escala 6×1 começaram em 2023 e, desde então, a demanda pelo fim desse modelo conquistou um número crescente de apoiadores – tanto da sociedade quanto da política. Em maio deste ano, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) manifestou apoio ao tema e, na última semana, obteve o apoio necessário para apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa alterar as regras sobre jornadas de trabalho.
Atualmente, a Constituição Federal e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estabelecem que as jornadas de trabalho devem ser limitadas a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais. Portanto, a legislação atual contempla diferentes possibilidades (incluindo as escalas 6×1 e 5×2) e permite que o empregador opte pelo formato que mais atende às necessidades de cada modelo de negócio.
Por outro lado, o projeto de autoria da deputada federal Erika Hilton propõe jornadas de trabalho limitadas a quatro dias por semana (oito horas diárias e trinta e seis horas semanais). Isso significa que, além de impedir a escala 6×1, a mudança inviabilizaria também o modelo 5×2 – caso não haja mudanças no texto da PEC, colaboradores em regime CLT terão de cumprir uma escala específica (quatro dias de trabalho, três dias de descanso).
6×1: A realidade de hoje e os impactos de amanhã
A mudança impactaria grande parte da população de acordo com o 47% das pessoas trabalharam mais de cinco dias por semana entre março e abril de 2024. Em paralelo, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil está entre os países com as jornadas de trabalho mais longas. Os brasileiros trabalham, em média, 39,5 horas por semana; a média internacional é de 36,8 horas semanais.
Para as empresas, o desafio seria ter 8h a menos na semana e, ao mesmo tempo, manter ou aumentar a produtividade. Há diferentes alternativas para lidar com esse cenário, mas a maior parte delas traz dificuldades tanto para o empregador como o funcionário – especialmente em setores que atuam de forma ininterrupta ou fora do horário comercial tradicional. Caso não haja margem para contratar mais pessoas, é possível que haja menos funcionários por turno, por exemplo. Outra possibilidade é que se reduza ainda mais o número de contratações em regime CLT.
Ainda é cedo para ter expectativas sobre a escala 6×1
Os projetos apresentados nas Casas Legislativas podem demorar meses (ou até anos) para serem promulgados, tanto por questões de fundo político quanto por envolverem, em muitos casos, debates de alta complexidade. É comum também que, ao longo do processo de tramitação, haja mudanças na proposta inicial.
É claro que existem casos em que a tramitação de Projetos de Lei e Propostas de Emenda Constitucional foram muito velozes, mas, são a exceção. Mesmo nesses casos, é válido lembrar que as leis tendem a considerar um prazo de adaptação antes de entrar em vigor. A PEC da escala 6×1, por exemplo, só vigorará depois de 360 dias da publicação.
Por isso, mantenha os pés no chão: ainda não é a hora de ficar preocupado ou empolgado com o possível fim da escala 6×1 ou com qualquer aspecto que envolva essa mudança.
O fim da escala 6×1 é possível, mas o caminho não é simples
Além disso, as diretrizes estabelecidas na Constituição Federal não deveriam ser rígidas ao ponto de inviabilizar novos modelos de trabalho que possam surgir. Afinal, por mais que seja possível alterar o texto no futuro, o processo é complexo, justamente por envolver as regras que são a espinha dorsal das leis brasileiras.
A tramitação de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) pelo Congresso Nacional demanda tempo, engajamento e articulação. Nesse processo, a tendência é que haja inclusive mudanças no conteúdo da proposta. Entenda o caminho que a PEC sobre mudanças nas jornadas de trabalho percorrerá:
• Requisitos iniciais
As PECs podem ser apresentadas por deputados, senadores ou pelo Presidente da República, mas, quando a iniciativa surge em uma Casa Legislativa, é preciso ter o apoio de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (171 deputados ou 27 senadores) ou de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação. Neste caso, cada Estado deve manifestar o posicionamento da maioria relativa dos respectivos parlamentares.
Por ter uma deputada federal como autora, a PEC da escala 6×1 precisava de 171 apoiadores entre os parlamentares. O número foi alcançado na semana passada.
• Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
Após ser apresentada, a PEC é encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa Legislativa que deu início à tramitação (Câmara ou Senado). A CCJ analisa a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa da proposta.
No caso da PEC da escala 6×1, a tramitação começará na Câmara dos Deputados.
• Comissão Especial
Quando há a aprovação da CCJ, constitui-se uma Comissão Especial que analisa o mérito da PEC (ou seja, a finalidade, o impacto e a relevância do conteúdo). Na Câmara dos Deputados, essa comissão tem um prazo de 40 sessões para emitir um parecer (em semanas regulares, há três sessões ordinárias por semana no Congresso Nacional; portanto, o prazo é de pelo menos 14 semanas).
• Votação nas Casas Legislativas
Após passar pela CCJ e pela Comissão Especial, a PEC é submetida a dois turnos de votação no Plenário da Casa na qual a tramitação começou. Caso seja aprovada, segue para a análise da outra Casa Legislativa e o processo se repete: são feitas análises pela CCJ e pela Comissão Especial do Senado e, na sequência, a votação também acontece em dois turnos.
A PEC da escala 6×1 começará a tramitar na Câmara dos Deputados. Então, na sequência irá para a análise do Senado
• Promulgação
A aprovação das PECs dependem do apoio de três quintos dos parlamentares em cada turno: 308 votos na Câmara dos Deputados; 49 votos no Senado. Caso consiga alcançar esses números sem que haja alterações, a PEC é promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A sanção presidencial não é necessária nesse caso.