“Posso parcelar em até quantas vezes sem juros?” A pergunta que faz parte do dia a dia dos consumidores brasileiros não é comum em outros países. Mas, em um país de renda média como o Brasil, o parcelamento sem juros surgiu como uma forma de impulsionar o consumo e permitir que as pessoas adquiram produtos de maior valor agregado sem a necessidade de juntar a quantia previamente.
Porém, a possibilidade de restringir o parcelamento sem juros é uma das discussões que tem sido pauta do Banco Central (BC). Em outubro deste ano, Campos Neto, presidente da entidade, evidenciou a preocupação em relação ao atual sistema de financiamento por cartão de crédito. Segundo ele, parcelas que chegam a até 13 vezes sem juros são um dos principais motivos para o consumidor perder o controle dos seus gastos.
A situação do endividamento da população é realmente preocupante. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pelo CNC, em outubro deste ano, 76,9% das famílias estavam endividadas, sendo 29,7% com dívidas em atraso e 13% sem previsão de pagamento. Dessas dívidas, 87% são provenientes do cartão de crédito.
“Temos um parcelado sem juros que ajuda muito o comércio – 40% do consumo no Brasil é com o cartão de crédito –, mas que tem aumentado muito o número de parcelas. Não estamos falando em proibir o parcelamento sem juros, apenas tentando que fique um pouco mais controlado”, afirmou Campos Neto durante audiência do Senado, na época em que o assunto veio à tona.
Dessa forma, a discussão ganha duas frentes principais: limitar o parcelamento sem juros, a partir do entendimento de que ele não existe na prática, já que as lojas acrescentam os juros no valor total, encarecendo o produto também para quem opta por pagar à vista; e a redução das taxas de juros dos cartões de crédito, podendo até mesmo extinguir o rotativo.
Atualmente, não há limite para o parcelamento sem juros, o que varia de acordo com cada instituição financeira/ perfil de cliente. Por outro lado, os juros do crédito rotativo, quando o consumidor não paga a totalidade da fatura do cartão de crédito, estão em cerca de 440% ao ano.
Uma das propostas feita por Campos Neto seria parcelar as faturas não pagas, cobrando uma taxa de juros mensal de 9%, ou seja, 181% ao ano. Com isso, os juros pagos pelo consumidor que perdeu o controle com o cartão de crédito reduziriam drasticamente e a capacidade de pagamento aumentaria.
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A importância do parcelamento sem juros para a economia
O parcelamento sem juros é considerado essencial para o bom funcionamento da economia brasileira pela maioria das instituições e órgãos do setor. Segunda dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços, em 2022 as transações via cartões de crédito movimentaram R$ 2,1 trilhões. O parcelamento sem juros representou metade dessas transações.
“O crédito, aliado ao emprego e à renda, é pilar essencial na determinação dos padrões de consumo da população. É por meio da disponibilização de uma ampla gama de métodos de pagamento que as pessoas têm a capacidade de acessar bens e serviços, seja ao aproveitar descontos em transações à vista, seja ao optar por parcelar os pagamentos sem a incidência de juros”, alegou a FecomércioSP. A Federação chegou a enviar ofício para líderes do governo com o objetivo de mobilizar o poder público.
A Abranet foi outra associação que se manifestou, em carta aberta. No conteúdo, afirmou que “qualquer limitação à livre negociação de compras parceladas pode causar impactos negativos sobre a capacidade de compra das famílias, em especial as de menor renda”. Ainda destacou que o parcelado é a única opção de consumo de grande parte da população.
“O parcelado também é a linha de crédito mais barata para os lojistas: as taxas são inferiores a 20% ao ano, 22 vezes menor que os 446% do rotativo de cartões. Essa forma de pagamento é aceita em mais de 15 milhões de estabelecimentos comerciais, autônomos, prestadores de serviços etc, de acordo com a Abecs”, afirmou a Abranet.
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Outro argumento, baseado em dados da Febraban, é de que a maior parte das dívidas estão relacionadas às compras à vista realizadas por cartão de crédito. Apesar da possibilidade de parcelar em dezenas de vezes, a média de parcelamento é de 4 meses.
Juntos, associações, federações, empresas do setor financeiro e governo estão discutindo possibilidades e buscando desenvolver uma solução conjunta para a questão do parcelamento sem juros, de forma que nem os consumidores, nem o comércio sejam prejudicados.
O rotativo do cartão de crédito
A discussão da redução dos juros do cartão de crédito e mudança do rotativo estão diretamente relacionadas ao parcelamento sem juros, afinal, os bancos estão condicionando as alterações à reformulação das parcelas. Por outro lado, as empresas de maquininhas possuem a opinião de que uma limitação das parcelas derrubaria as vendas.
Campos Neto alegou recentemente que a tentativa de um acordo foi falha. “Nossa preocupação é vim uma sugestão. Como falhamos em buscar um acordo, isso pode acabar gerando uma ruptura no mercado de cartões, o que seria ruim para todo mundo. Temos dois grupos, um não quer negociar se não tiver uma mudança no número de parcelas, o outro acha que isso não é viável”, disse o presidente do BC durante participação em seminário promovido pelos jornais Valo Econômico e O Globo.
Em paralelo, um projeto de lei que limita os juros do rotativo do cartão de crédito foi aprovado pela Câmara dos Deputados no início de setembro. A proposta é que seja estabelecido um limite de 100% para o rotativo caso o setor não apresente uma sugestão que diminua a taxa.
O cenário ainda é incerto, mas a discussão segue acalorada. Para empresários, varejistas e consumidores, vale acompanhar as decisões que podem impactar em concessões de crédito e poder de compra.
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